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100 anos de Dulcina de Moraes? Ágora Aberta em Frente ao Teatro Fechado

No ano do centenário de Niemeyer, de Cartola, de Manuel de Barros, do Teatro Municipal, umas das mais importantes atrizes do Brasil está esquecida e um dos mais claros reflexos disso é o seu teatro no centro do Rio de Janeiro, fechado e caindo aos pedaços. Tudo por conta de politicagem e má administração. Hoje o Teatro Dulcina é administrado pela FUNARTE, à época de seu fechamento era a prefeitura quem o administrava. Com um projeto de 500 mil reais a prefeitura pretendia restaurar o teatro e deixá-lo exatamente como foi construído no século passado. Foram conseguidos 400 mil reais para o projeto, faltaram 100 mil. A obra não foi feita e no início desse ano a prefeitura devolveu a administração para a FUNARTE, que recebendo o teatro nessas condições, processou a prefeitura pelo estado do espaço. Por conta desse processo, ninguém entra nem sai do teatro, nada acontece e ele continua com suas portas fechadas. Já passamos o meio do ano do centenário e nada foi feito.


As dúvidas que ficam são:

É certo que um teatro tão importante como esse (foi lá que Dulcina iniciou a primeira faculdade de artes cênicas do Brasil), num local igualmente importante culturalmente para o nosso país como a Cinelândia, esteja fechado pelo descaso de suas administrações?

É certo que em uma obra de restauração para deixar o teatro como era, com seu palco italiano antigo, que hoje não reflete mais as necessidades das criações contemporâneas, custe 500 mil reais, enquanto uma obra emergencial para liberar o espaço para uso custaria muito menos?

E, claro, onde estão os 400 mil reais conseguidos pela prefeitura para fazer a reforma?


Ontem, dia 20 de julho, um grupo de artistas que levanta a bandeira do MOVIMENTO DULCINELÂNDIA iniciou sua homenagem à atriz ocupando artisticamente a calçada da rua Alcindo Guanabara, em frente ao teatro fechado. Segundo seus organizadores, a ocupação de ontem pretende ser a primeira de uma série de cem, onde serão apresentadas performances, leituras, peças, filmes, shows, entremeados por informações sobre a atriz e sua história de quase cem anos de atuação no teatro brasileiro.


O Movimento pretende abrir a discussão sobre a situação do teatro junto á FUNARTE, inclusive sobre o projeto arquitetônico de restauração/reconstrução. A organização do Movimento, que em seu núcleo tem exclusivamente atores, cenógrafos, iluminadores e profissionais de teatro, diz que a FUNARTE e o seu diretor Sr. Celso Frateschi já foram contactados por duas vezes na tentativa de marcar uma reunião do movimento com a instituição. A comunicação foi cortada quando souberam que o movimento queria colocar em pauta a abertura do teatro, sua reconstrução, sua arquitetura e discutir os rumos do teatro no Rio de Janeiro.


A reação do Movimento, ao ser ignorado pela FUNARTE, foi imediata – “Se o teatro está fechado e a instituição não responde, atuaremos na rua, em frente ao teatro. Se aqui é um lugar pra se ter cultura e isso não acontece porque está fechado por descaso, denunciemos o fato do lado de fora, com cultura” – diz um de seus organizadores.


Primeiro Chute


O Ato-Manifesto de ocupação intitulado “Primeiro Chute – 100 anos de Dulcina” iniciou com os atores colando imagens de Dulcina na fachada do teatro e pintando a porta de branco (que mais tarde seria usada como tela para projeção). Quando a porta estava quase toda branca, o segurança do teatro saiu para ver o que estava acontecendo, se deparou com a porta pintada de branco e foi buscar a polícia. Dois atores foram conduzidos para a 5ª DP juntamente com o segurança para esclarecimentos. Na delegacia, foram recebidos pela delegada de plantão Daniela que ouviu o relato do segurança e dos atores. Percebendo que não eram pichadores e delinqüentes, e que o objetivo da ação era produzir um evento cultural, a delegada Daniela liberou todos, se comprometendo inclusive em falar com o patrão do segurança, para que não fosse responsabilizado.


Resolvida a questão na delegacia e com a porta já pintada de branco o evento-ato-cênico pôde continuar sem interrupções, recebendo grupos e artistas diversos, numa programação que ora parecia ser definida e roteirizada, ora parecia incluir as manifestações momentâneas de artistas e pessoas que se achegavam à roda. Uma grande Ágora foi instaurada na rua Alcindo Guanabara, com a participação das pessoas daquele lugar, das pessoas do centro da cidade, dos policiais, dos moradores e trabalhadores da cinelândia, e dos moradores da Ocupação Manoel Congo, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, que ocupa há nove meses um prédio abandonado do INSS em frente ao Teatro Dulcina. A Ocupação Manoel Congo, com suas famílias e crianças, participaram ativamente do Ato-Cênico apresentando o ensaio de sua quadrilha junina e ajudando a preparar o bolo que foi dado a todos os presentes pelo aniversário de 100 anos de Dulcina, feito em parceria com o Movimento Dulcynelândia.


Pessoas chegavam e ficavam; outras paravam por um tempo e depois iam embora. Houve bastante circulação, uma movimentação muito mais intensa do que aquele trecho de rua está acostumado para uma tarde de domingo, pois há muito tempo o teatro Dulcina não abre suas portas. Os funcionários do bar ao lado do Dulcina confirmaram que se não fosse o evento eles não estariam abertos, pois não haveria para quem vender. Com o som do DJ e da música ao vivo as pessoas da Cinelândia foram se aproximando, se juntando às pessoas que estavam ali porque sabiam do evento. Presença importante a ser citada, como a do poeta Guilherme Zarvos, que foi até a pilha de livros-referência que estava à disposição do público e ficou bom tempo lendo e folheando informações sobre Dulcina, nos livros e textos que havia sobre a atriz.


O MOVIMENTO DULCYNELÂNDIA conta com apoio de diversos artistas que assinaram juntos a primeira carta enviada ao diretor da FUNARTE. Nas assinaturas dessa primeira carta, segundo o blog do Movimento, constam nomes como os da cineasta Ava Rocha, do fotógrafo Cafi e da atriz e cantora Mariana de Moraes. No blog encontra-se também a segunda carta mandada para a FUNARTE, juntamente com belas fotos do Primeiro Chute e com textos sobre o movimento e esse primeiro dia de ocupação.


Fica claro que a antropofagia impetuosa do Movimento Dulcynelândia, de comer Dulcina e essa situação do seu teatro, acaba engolindo o tempo da burocracia e das respostas institucionais. Percebe-se que a FUNARTE e o seu diretor ficarem ou não sabendo do que está acontecendo não impede nem atravanca as coisas de acontecerem, pois o tempo da arte e da resistência é mais urgente. A ágora é movimentada por aqueles que a freqüentam, por aqueles que vivem dela, por aqueles que se preocupam com seu entorno. Se os diretores e dirigentes de órgãos e instituições culturais são os responsáveis por essa e outras ágoras da cidade é necessário, para que realizem um bom trabalho, que estejam presentes nessas ágoras para entender seus movimentos e trabalhar em conjunto. Afinal de contas, os personagens da ágora: o polícial, o artista, o comerciante, os moradores, os trabalhadores, o segurança; cada um no seu papel social, possibilita e trabalha para realização do espetáculo. Que no caso desta ágora é o encontro de todos para celebrar os cem anos de uma importantíssima atriz brasileira esquecida, em frente ao seu teatro igualmente esquecido e fechado. No que depender de mim, darei toda ajuda que puder para que o grito desta ágora dulcynelândica chegue aos ouvidos dos responsáveis pelo sucateamento que vemos atualmente na rede cultural da cidade e do país.

Dulcina foi uma importante personagem na luta por um novo Teatro e pela profissão do Ator. Vamos comer Dulcina. Ainda temos metade do ano.


Odilon Carneiro

21/07/08